SNS: Sistema de Nada Saber
Todos os dias se ouve nas notícias que o Sistema Nacional de Saúde não funciona. Cada uma das partes envolvidas tem uma outra explicação.
A verdadeira explicação é que nenhuma delas dá ouvidos aos utentes.
O povo é que mais ordena?
‘Deixe-me rir,’ dizem as autoridades, sejam elas políticas ou médicas.
É verdade que há muito movimento quande se chama 112 — que sem qualquer dúvida gasta muito dinheiro — mas ninguém se preocupa com o utente…
‘A sua senhora tem doenças?’ perguntou-me o médico de 112 quando lhe tive contado que a minha Maria Zé desmaiou — assim de repente — lavando as suas mãos. Felizmente, estive na cozinha no mesmo momento e consegui evitar que bateu com a cabeça no chão.
‘Não, senhor doutor, não tem doenças, pelo menos se o luto não conte como doença.’
‘Está bem. A ambulância está no caminho!’
‘A sua senhora tem doenças?’ perguntam os bombeiros enquanto ligam máquinas nos dedos e braços da Maria Zé.
‘Não, senhor doutor, não tem doenças.’
‘Está bem. Vamos para a Urgência do hospital em Beja.’
‘Ai, não, por favor. Eu próprio fui uma vez para lá. Foi um grande desperdício de tempo.’
‘Não há outra opção se quer saber o que se passa.’
‘Tudo é normal segundo as análises,’ diz-me o médico da Urgência às 20.00 horas.
‘Mas porque ela perdeu de repente os sentidos e desmaiou?’
Tenho a sensação que o médico está a ouvir isso pela primeira vez.
‘Ah… não sei. Pergunte isso ao vosso médico de família.’
‘Não temos médica de família… aposentou-se há muito tempo e nunca foi substituída pelo Centro de Saúde em Mértola.’
‘Então, vai para Centro de Saúde!’
‘Vale a pena de ir até lá se não há médico? É como ir ao estádio quando não há bola.’
O médico está a perder a sua paciência comigo.
‘Não sei. Nós não somos por essas coisas!’
‘Quais coisas? Não… não estou a brincar… quero mesmo saber… o que se passa com a Maria Zé.’
‘Nada!’
‘Então, obrigado por nada!’
O médico deu-me os resultados das análises e foi-se embora, insultado.
Que medo!
‘Já não preciso disto,’ diz a Maria Zé no carro a caminho de casa e tira o adesivo da sua roupa. O adesivo contém os dados dela e a causa por que foi levada para a Urgência…
‘Causa: doença?’ pergunto eu. ‘Contaste a esse médico que tens uma doença?’
‘Qual médico? Não vi médico nenhum nem falei com ninguém. Depois quatro ou cinco horas sentada naquela cadeira na qual me encontraste, veio uma enfermeira tirar um pouco de sangue e… coiso. Mais nada.’
‘Não acredito!’
‘Mas é verdade — ninguém me dirigiu a palavra.’
‘Sim, meu amor, acredito. Só me custa a crer que o sistema funciona tão mal. Os médicos sabem tudo melhor que os utentes. O médico da Urgência não me acreditou quando lhe disse que tiveste desmaiado. Agora percebo porquê. A minha palavra não era escrita — ele teve preto no branco: doença. As análises não provaram nada fora do normal, então nos olhos dele somos pessoas que inventam uma desculpa para lhe chatear, como uma espécie de… passatempo. Um instante tive medo que ele ia dizer: “Não, o seu nome não é Jaap Slager, o senhor se chama Manuel Pizarro.” Já nada me surpreende!’
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