O sotaque alentejano e o nome América

Como todo o mundo sabe, os alentejanos têm esse hábito de prolongar as palavras. A história verídica a seguir é um relatório de testemunha ocular, que encontrei num diário muito antigo de um marinheiro português…

‘O almirante, que tinha nascido na zona de Cuba numa família de feirantes judeus, já como puto chegou em contacto com a marinha-mercante no porto fluvial de Pomarão, onde ele conheceu o árabe Zarak. Desde então os dois ficaram quase inseparáveis. Com esse sotaque específico das pessoas provenientes do Alentejo, o nome do Zarak da boca do almirante soava como “Za-RAK-i?” – com uma sílaba extra.

‘Na manhã de natal a nossa maior embarcação encalhou num banco de areia. Tirámos toda a carga numa tentativa de salvá-la. Os indígenas ajudaram…
Um deles, mal habituado ao comportamento das nossas chalupas nas ondas, caiu na água. O almirante entrou logo em pánico: “Toma conta, toma conta!”
Sendo eu quem estava mais perto do náufrago, dirigi o meu barco para ajudar o mesmo. Mas, logo que o almirante se apercebeu que eu estava a perceber mal as suas intenções, apontou para a chalupa à deriva, que se afastava da praia, e gritou em voz alta: “A MERCA, pá, a MERCA, por amor de Deus!!!”

‘É um segredo público entre os tripulantes que o almirante tem estipulado para com os seus comitentes, que terá direito a 10% de todos os proveitos obtidos nos territórios descobertos…
Nós já gozámos muito com aquela cláusula, cada vez que a primeira pergunta dele aos indígenas nas costas onde fizemos escala, era: “Onde fica o ouro!?” E agora, com o incidente daquela tarde, os amigos gozaram bastante comigo – que “aquele cozinheiro tonto” tivesse pensado durante um instante que “o nosso velho” podia estar mais preocupado com a vida do indígena do que com os proveitos.

‘Para piorar a situação, ao jantar tropecei no pé de alguém quando trouxe a sopa; a caldeira caíu na mesa com um baque…
Todos desataram a rir quando o Zarak gritou em voz alta: “A MERCA, pá, a MERCA!!!”

‘Em pouco tempo essa piada ganhou muita força, de maneira que neste momento todos gritam “A MERCA, a MERCA!” de propósito e… fora de propósito – não só os tripulantes dos navios que se preparam para voltar a Espanha, mas especialmente o grupo que vai ficar para trás (a embarcação Santa Maria prova-se perdida) para vigiar a carga salvada…
Se alguém deixa cair alguma coisa, um outro grita logo “A MERCA, pá, a MERCA!” E se alguém pergunta “Onde estiveste?”, a resposta está cada vez “À MERCA, à MERCA!”

‘E mesmo todos – espanhois e portugueses, até os italianos provenientes de Génova – tentam imitar o sotaque alentejano do almirante Cristovão e do seu amigo Zarak… “A MÉÉÉR-i-ca, a MÉÉÉR-i-ca!” – com uma sílaba extra.’

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